31 de ago. de 2011

Barbara Heliodora viu e comenta peça de Ferreira Gullar

No túnel do tempo

Barbara Heliodora
    Quando se trata de poesia, Ferreira Gullar é sempre representativo do inovador; e fora de seu campo principal, ele foi parceiro na criação de algumas obras dramáticas significativas. Na criação solo de “Um rubi no umbigo”, no entanto, Gullar se mostra superado até mesmo na década de 1970 do século passado, pois essa modestíssima comédia de costumes, cuja frágil trama se desenvolve a partir de uma premissa sem credibilidade, é mais aparentada com a dramaturgia pré-Nelson Rodrigues do que com o que aos poucos vem sendo conquistado desde então. A peça nos fala de uma família em que o pai responsabiliza por sua falência a falecida sogra riquíssima que gastou toda a fortuna em viagens e, ao que parece, sequer deu à filha uma educação decente; tudo dependeria, agora, de se vender o rubi que fora incrustado no umbigo de Vitor, filho do casal, com risco de vida para este último. Nem a incrustação e nem o risco da operação têm qualquer explicação, e a visão da família não vai além de uma vida mansa enquanto durar o dinheiro da venda.
    A montagem é modesta, com uma solução razoável para o cenário de Carlos Alberto Nunes, figurinos muito modestos de Ney Madeira e Dani Vidal e uma estranha luz de Renato Machado, que busca efeitos de luz ampla e concentração em quem fala que pouco ou nada têm a ver com a ingenuidade da dramaturgia. A direção de André Paes Leme insiste em buscar recursos mais novos, que deem ao texto uma vida mais próxima aos dias de hoje, porém estes ficam artificiais e falsos em um texto com trama tão antiquada e precária.
    A direção leva o elenco, na verdade, para o mundo do texto, e a linha de interpretação é a de há algumas décadas. Bruno Quaresma, Felipe Kouri e Lenita Lopes fazem pequenos papéis de apoio com desenho óbvio, Fábio Enriquez e Ícaro Silva fazem o filho e seu amigo de forma bastante superficial, restando a Stela Freitas e principalmente Cláudio Mendes a tarefa de dar vida ao casal falido, que são também os que têm maior coerência em suas ações. O resultado é modesto, deixando a impressão de túnel do tempo, com volta a um teatro de outros tempos. Não é sequer justo com o autor ir buscar essa obra tão fora de nossa época.
De O Globo

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